JUSTIFICATIVA: A FORMAÇÃO DE PROFESSORES NO CONTEXTO ATUAL DA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA
De acordo com o Parecer 09/2001, a Licenciatura passou a ter terminalidade e integralidade próprias em relação ao Bacharelado, constituindo-se um projeto específico. Isso exige a definição de currículos próprios da Licenciatura que não se confundam com o Bacharelado.
A profissão docente hoje, diante da complexidade da tarefa educativa, assume novos desafios, que vão muito além da mera transmissão de conhecimentos adquiridos academicamente. Para Imbernón (2001)[1], a educação se aproxima de outras demandas (éticas, coletivas, comportamentais, emocionais) e a profissão exerce outras funções (motivação, luta contra a exclusão social, relações com a comunidade...). Para assumir essas novas competências, a formação profissional também requer inovações para seus projetos.
Por outro lado, é evidente que o embasamento técnico e específico é indispensável na formação de professores. Segundo Brito (2007)[2], é fundamental que o futuro professor tenha um sólido conhecimento, não na forma de “estoque” armazenado, mas na forma de “domínio conceitual”, que o torne capaz de ajudar seus alunos a serem agentes de sua formação.
No caso específico da educação em ciências naturais e matemática, muito já se conhece sobre a situação dos professores e alunos no contexto da Educação Básica; não faltam pesquisas, dados e documentos para demonstrar seus avanços, suas deficiências e necessidades, conhecimentos essenciais para que se possa traçar os rumos desse setor.
Como um exemplo, citamos o documento elaborado em novembro de 2007 pela Academia Brasileira de Ciências[3], “O Ensino de Ciências e a Educação Básica: Propostas para Superar a Crise”, fruto da discussão e da consulta a especialistas da área, que alerta para o tratamento prioritário a ser dado à educação científica no Brasil. Entre os argumentos que apóiam esta urgência está a deterioração do ensino básico que acompanhou o esforço dos governos pela universalização do ensino fundamental e que gerou a péssima formação de jovens com chances limitadas de inserção na sociedade brasileira. Entre as medidas a serem adotadas o documento sugere “reorganizar os cursos de formação de professores” que hoje, no Brasil, estão a cargo das universidades ou de instituições de ensino superior. No caso da formação de professores especializados, o documento informa que em áreas como Língua Portuguesa e Matemática, a maioria dos licenciados se forma em instituições de ensino particular, enquanto que em áreas como Física e Química, a maioria é formada por instituições públicas. Mesmo o número de formados revela-se insuficiente frente à demanda que se apresenta na Tabela 1 abaixo:
Tabela 1 - Estimativa de demanda de professores no ensino médio e no 2º ciclo do ensino fundamental. De Antonio Ibanez Ruiz, Mozart Neves Ramos, Murilo Hingel, Escassez de professores no ensino médio: soluções emergenciais e estruturais, Câmara de Educação Básica – CNE, 2007. Cálculo da demanda estimada de professores por disciplina: porcentagem de horas semanais da disciplina (sobre o total de 20 horas de aula por semana) multiplicada pelo número de turma no ensino médio (246.085) e no ciclo fundamental (479.906).
Disciplina |
Ensino Médio |
Ensino Médio + 2º. Ciclo E.F. |
No. licenciados de 1990 a 2001 |
Português |
47.027 |
142.179 |
52.829 |
Matemática |
35.279 |
106.634 |
55.334 |
Biologia |
23.514 |
55.231 |
53.294 |
Física |
23.514 |
55.231 |
7.216 |
Química |
23.514 |
55.231 |
13.559 |
Língua estrangeira |
11.757 |
59.333 |
38.410 |
Educação física |
11.757 |
59.333 |
76.666 |
Educação artística |
11.757 |
35.545 |
31.464 |
História |
59.333 |
71.089 |
74.666 |
Geografia |
59.333 |
71.089 |
53.509 |
TOTAL |
235.135 |
710.893 |
456.947 |
Se o problema da escassez de professores é grave, o documento nos lembra que a situação se torna ainda mais complexa se considerarmos que um grande número de licenciados não exerce a profissão.
Para complementar esses dados, o professor Dilvo Ristoff, diretor de Educação Básica Presencial da Capes acrescenta, em entrevista concedida em 25-04/2008 à revista Nova Escola On-line[4]: Nosso quadro de professores, tanto em quantidade como em qualidade, é o mesmo de 15 anos atrás. Hoje, precisaríamos de 84 anos para suprir nosso déficit apenas em Física. Só conseguimos formar cerca de 1800 por ano, com uma evasão que beira 2/3 dos alunos. O plano é reduzir esse número para 10 anos.
O documento também analisa a situação dos jovens brasileiros no que diz respeito ao conhecimento de ciências e à capacidade de resolver problemas, e revela a precariedade da formação escolar, comparados a alguns países selecionados, como mostra o Gráfico 1
Gráfico 1 – Resultados do PISA em Ciências, países selecionados, 2003
O principal instrumento de avaliação da educação brasileira é o SAEB, realizado pelo ministério da Educação. Os alunos avaliados pelo SAEB freqüentam a 4ª. e 8ª. Séries do Ensino Fundamental e 3ª série do Ensino Médio e são testadas as competências apenas em Língua Portuguesa e Matemática. Os dados do Gráfico II, referentes à Matemática, mostram que, na quarta série, metade dos alunos ainda está em um nível inferior à segunda série, e menos de 10% têm o nível esperado para esta série. Na oitava série, mais de 50% ainda estão no nível equivalente à segunda série ou inferior. Na terceira série do ensino médio, menos de 10% estão no nível apropriado. A conclusão é, mais do que uma formação inadequada em Matemática nas respectivas séries frequentadas pelos alunos brasileiros, que certamente os conteúdos não são definitivamente apreendidos pelos alunos nas séries anteriores, ou seja, os alunos tomam contato com os conteúdos de uma série e não sedimentam os conhecimentos associados a eles de forma a criar as distorções observadas pelos dados do Gráfico 2 – SAEB/2006 de Matemática, abaixo.
Gráfico 2 – SAEB/2006 de Matemática.
Diante do breve quadro da educação em Ciências aqui exposto, a UFABC, como instituição formadora, entende-se comprometida com a proposta de inovar a formação docente, por meio de seus cursos de licenciatura.
Em consonância com os princípios fundamentais de seu Projeto Pedagógico, empenhado em preparar pessoas para enfrentar problemas da realidade dinâmica e concreta, de forma crítica e transformadora, os cursos de licenciatura da UFABC se propõem a transcender um ensino que pretende uma mera atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que as pessoas aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e a incerteza (Imbernón, 2001)
OBJETIVOS
Objetivo geral
Os cursos de licenciatura da UFABC primam por formar o aluno imbuído dos conteúdos com os quais alcançará as competências e habilidades necessárias (de acordo com Lei no. 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Resolução CNE/CP 1, de 18/02/2002), para atuar no campo da Educação Básica, especificamente no nível de Ensino Fundamental II, nas áreas de Ciências Naturais e Matemática, e no nível de Ensino Médio, em uma das modalidades Biologia, Física, Química e Matemática. Cabe ressaltar que o aluno poderá retornar à instituição para obter novas habilitações da licenciatura.
Objetivos específicos
Tendo em vista as mudanças pelas quais passa a sociedade, e respondendo às novas tarefas e desafios apontados anteriormente, os cursos de licenciatura da UFABC, têm como metas:
- Proporcionar ao licenciando uma formação ampla, diversificada e sólida no que se refere aos conhecimentos básicos de suas áreas específicas;
- Promover, por meio das atividades práticas e dos estágios curriculares vivenciados em diversos espaços educacionais, a integralização dos conhecimentos específicos com as atividades de ensino;
- Promover a imersão dos licenciandos em ambientes de produção e divulgação científicas e culturais no contexto da educação em ciências e matemática;
- Formar o educador consciente de seu papel na formação de cidadãos sob a perspectiva educacional, científica, ambiental e social;
- Capacitar os futuros professores para o auto-aprimoramento pessoal e profissional constante.
ESTRUTURA GERAL DO CURO
Os cursos de licenciatura da UFABC pretendem romper com o tradicionalmente posto e oferecer um currículo diferenciado, tendo como características fundamentais uma formação diversificada e ampla com relação ao conhecimento das Ciências Naturais e Matemática (BC&T), profunda em termos do conhecimento específico de cada área (Biologia ou Física ou Matemática ou Química), e ao mesmo tempo interdisciplinar nas suas articulações com o ensino, com a pesquisa e com as atividades extracurriculares (práticas como componente curricular, estágios e atividades acadêmico/científico/culturais).
O prazo ideal estabelecido para a conclusão total dos créditos dos cursos de licenciatura é de 4 anos (12 trimestres). Entretanto, partindo da prerrogativa constante no Projeto Pedagógico da UFABC que visa dar ao estudante a possibilidade de individualizar, ainda que parcialmente, o currículo de modo que o aluno possa desenhar sua formação profissionalizante de acordo com sua vocação e suas aspirações e para isso é necessário um elevado grau de flexibilidade da matriz curricular, existe a possibilidade de término do curso num prazo mínimo de 3 anos (9 trimestres).
Independente do desenho da matriz curricular, os cursos de licenciatura da UFABC apresentarão obrigatoriamente a seguinte distribuição, relativa ao conjunto mínimo de créditos e horas a serem cumpridas para a conclusão do mesmo, em sintonia com a Resolução CNE/CP 2, de 19/02/2002:
Quadro 1
Componentes curriculares |
Créditos |
Horas |
|
Disciplinas do núcleo BC&T |
90 |
1080 |
1800 |
Disciplinas de conteúdo específico, eletivas e de opção livre |
60 |
720 |
|
Disciplinas didático-pedagógicas: práticas como componentes curriculares |
34 |
408 |
|
Estágio supervisionado |
|
400 |
|
Outras atividades acadêmico-científico-culturais |
|
200 |
|
TOTAL |
|
2808 |
A perspectiva de atuação para um educador egresso dos cursos de licenciatura da UFABC, não se restringe à escola básica, embora seja este o campo premente de demanda deste tipo de profissional. Contudo, o licenciando terá também a oportunidade de conhecer outros ambientes onde ocorre a educação científica (museus, editoras, ONGs, jornais, etc.) por meio das experiências que poderá vivenciar durante o período do curso e dos estágios supervisionados.
Posteriormente, e de posse das orientações que receberá durante o curso de graduação, o egresso terá condições de optar por investir numa carreira acadêmica, de pesquisa ou no magistério superior, realizando cursos de pós-graduação em Ensino de Ciências e Matemática, na própria instituição num futuro próximo.
PERFIL DO EGRESSO
Considerando as competências gerais estabelecidas para a formação de professores constantes na Resolução CNE/CP 1 e nas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Ciências Biológicas (CNE/CES 1.301/2001), de Física (CNE/CES 1.304/2001); de Matemática (CNE/CES 1.302/2001) e de Química (CNE/CES 1.303/2001), agrupadas nas dimensões que se seguem, presume-se que o licenciado egresso seja comprometido e capaz de:
Na dimensão política
- atuar profissionalmente com base nos princípios de uma sociedade democrática, que respeita a diversidade social, cultural e física de seus cidadãos.
- avaliar criticamente a sua realidade social e participar da tomada de decisões a respeito dos rumos da sociedade como um todo, a partir da consciência de seu papel.
Na dimensão social
- promover uma prática educativa que identifique e leve em conta as características de seu meio de atuação, suas necessidades e desejos.
- envolver-se e envolver a comunidade escolar por meio de ações colaborativas.
Na dimensão pedagógica
- reconhecer e atuar considerando a complexidade do fenômeno educativo que envolve, além dos aspectos técnicos, outros tais como éticos, coletivos e relacionais.
- transformar seus conhecimentos acadêmicos específicos em conhecimento escolar.
- atuar em diferentes contextos de seu âmbito profissional, fazendo uso de recursos técnicos, materiais didáticos e metodológicos variados.
- estar habilitado para enfrentar com sucesso os desafios e as dificuldades inerentes à tarefa de despertar os jovens para a reflexão.
- adotar uma atitude de pesquisa baseada na ação-reflexão-ação sobre a própria prática em prol do seu aperfeiçoamento e da aprendizagem dos alunos.
Na dimensão científica
- dominar e atualizar-se a respeito dos conhecimentos de sua área específica, assim como perceber e realizar a articulação desses saberes com o contexto mais amplo da cultura.
Na dimensão pessoal e profissional
- gerenciar seu próprio desenvolvimento profissional, adotando uma postura de disponibilidade e flexibilidade para mudanças.
[1] IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2006, 6ª. Ed.
[2] BRITO, M.R.F. ENADE 2005: Perfil, desempenho e razão da opção dos estudantes pelas Licenciaturas. Avaliação, Campinas: Sorocaba, SP, v.12, n.3, p.401-443, set.2007.
[3] ABC- ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. “O Ensino de Ciências e a Educação Básica: Propostas para Superar a Crise”. 2007. Disponível em ftp://ftp.abc.org.br/ABCensinoemciencias2007.pdf. Acesso em dez. 2008.
[4] REVISTA NOVA ESCOLA ON-LINE. Entrevista Dilvo Ristoff. 25/04/2008. Disponível em: http://revistaescola.abril.uol.com.br/online/reportagem. Acesso em dez 2008.
[5] IMBERNÓN, F. Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2006, 6ª. Ed.